Batman: O anti-herói universal – Pt. 1

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O presente texto é uma versão resumidíssima do estudo de caso da minha dissertação de mestrado. Embora eu tenha feito uma análise comparativa da representação dos herói nos mangás e nos comics, pra nossa Semana Especial Batman estou trazendo apenas a parte dedicada à Velha Morcega. Pro mestrado eu me concentrei em Ano Um e na Queda do Morcego, então acabo contando também um pouco da história de cada uma dessas sagas no texto (embora esse não seja o objetivo e vocês devam ver muito delas nos textos de todo mundo durante a semana).

PS: Editoras, qualquer coisa estamos aí. Vamo querer publicar esse negócio. Estou aceitando contratos na faixa dos 25 mil reais, mixaria, eu sei. Só pra garantir o leitinho das crianças.

PS2 (já joguei muito…brinks): Como sou comunista e acredito no livre acesso à cultura, o texto completo está disponível em .pdf no site da Biblioteca de Teses e Dissertações da Uerj. É só googlar meu nome que você acha.

É isso aí, curtam. E não deixem de ler a segunda parte.

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Os heróis de maneira geral pertencem à esfera subjetiva da atuação intelectual humana, e por isso suas narrativas carregam sentidos implícitos que são imediata e automaticamente (e nem sempre conscientemente) inferidos por aqueles que são expostos a elas, tudo parte do processo de assimilação do mito. Nesse sentido, herói e anti-herói seriam classificações que distinguiriam estilos de personagens e de narrativas por seus traços psicológicos, morais e pela conjuntura dos mundos ficcionais aos quais pertencem, no entanto, sua função dentro da história ainda assim seria a mesma, servir como guardiões e protetores.

Já os super-heróis norte-americanos são entendidos aqui como derivações idealizadas dessa tradição mitológica grega. Portanto, sua representação carregaria o “peso” dessas idealizações tanto na caracterização dos personagens quanto em sua ação nas tramas, com a ressalva de que o herói contemporâneo representado nos quadrinhos possuiria atualmente uma função policial (legítima ou ilegitimamente). Batman age como um detetive, tomando integralmente o lugar da polícia e das autoridades, por isso, suas histórias em quadrinhos abordam a temática do herói como vigilante ou fora da lei, alguém que, falando extranarrativamente, toma a justiça nas próprias mãos estando assim fora dela também. Sendo esta dubiedade um dos fatores que lhe marcam a ação como anti-herói.

Contada na forma de passagens dos diários de Bruce Wayne e Jim Gordon, respectivamente, o futuro Batman e o futuro comissário de policia, “Batman: Ano Um”, de Frank Miller e David Mazzucchelli, retrata o primeiro contato de ambos com Gotham City. Dividida em quatro partes, como se fossem quatro atos, cada uma possui um tema central, explicitado por seu título: “quem eu sou e como vim a ser” (Who I am and how I came to be), “Declaração de guerra” (War is declared), “A aurora negra” (Black dawn) e “Amigo em apuros” (Friend in need).

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De boas aqui…espancando umas bitches

Em “Quem eu sou…” – após passar boa parte da infância e a adolescência fora do país, supostamente na Europa, mas na verdade viajando pelo mundo para aprimorar suas habilidades físicas – um jovem Wayne volta a sua cidade natal para por em prática sua missão: acabar com o crime e a corrupção. Bruce tornou-se órfão numa tentativa de assalto que vitimou seus pais; a partir daí, ele emprega sua herança para conseguir a tecnologia e o treinamento necessários para colocar seu plano em prática.

Por sua vez, o ainda tenente Jim Gordon se muda para Gotham com a esposa grávida após ser transferido de Chicago. Os reais motivos de sua transferência são mantidos em sigilo, nem o atual comissário de polícia, Gill Loeb, tem acesso. Para o leitor fica a impressão de que se trata de algum caso de corrupção envolvendo Gordon. Essas suspeitas são confirmadas posteriormente na história, só que em vez de  culpado, Gordon denunciara um policial corrupto e acabara sendo, então, afastado.

Enquanto Bruce precisa encontrar a melhor forma de executar sua missão, Gordon se vê às voltas com um departamento mais corrupto do que aquele do qual saiu. Aliás, a cidade inteira, desde os níveis mais básicos até a alta cúpula, se encontra tomada pela corrupção e pela criminalidade. Pode ser visto que mesmo de maneira totalmente independente, ambos buscam reverter essa situação.

Ao contrário do Superman, desde o início Batman, para as autoridades oficiais, é considerado um vigilante, um fora da lei, mesmo que para a população ele seja um herói. O corrupto comissário Gill chega a defendê-lo para Gordon, cuja primeira reação é mandar prender o Batman por vigilantismo. O chefe alega que a taxa de criminalidade até diminuiu – tanto pela ação quanto pelo medo do Homem-Morcego. Tudo isso muda quando Batman arma um ataque à mansão do prefeito – onde políticos corruptos e chefes do crime estão reunidos num jantar de gala. Essa é a “declaração de guerra” do segundo ato, no qual se inicia uma caçada ao Batman. Segundo o raciocínio do (anti) herói, não há sentido em enfrentar os bandidos se as autoridades são corruptas, por isso ataca primeiro o topo da pirâmide, da “cadeia alimentar” criminal.

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Batema, procurado e perigoso

Todo o enrendo de Ano Um foca a humanidade do Batman (em contraste com outros heróis da DC – para quem tem uma visão geral do Universo DC). O Homem-Morcego sangra e foge quando é preciso. Ainda assim, fugindo das rajadas, encontra tempo de salvar um gato perdido (momento bem surreal, diga-se de passagem).

Posteriormente, usando a mesma perna ferida, Batman consegue quebrar uma das colunas de sustentação que restou do prédio em ruinas em que estava. Fazendo isso, ele derruba parte do teto em cima do pelotão que estava prestes a agarrá-lo. Ele reclama da dor intensa que sente ao desferir o golpe, mas diz que precisa ignorá-la. Ele ainda encontra tempo para identificar e surrar o policial que estava deliberadamente tentando atirar no gato no outro quadro, arremessando-o através de uma parede de tijolos.

Batman representa o herói humano. Sangra e sente dor, mas supera tudo através de seu treinamento e força de vontade. Justamente por ser humano ele precisa usar de mais força e de terror contra seus inimigos. Por isso ele reuniria os elementos que definem o anti-herói, esta ligação com o “mundano” lhe confere uma aura mais mortal, secular por excelência.

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Nada mais vudu do que ter um morcego como símbrlo. Ozzy Osbourne curtiu essa publicação

No entanto, seus feitos não são menos fantásticos e vão muito além da capacidade de um ser humano comum. A história sugere que ele é um homem como outro qualquer, causando uma identificação por parte do leitor. Afinal, seu treinamento, equipamentos e inteligência fariam com que ele utilizasse da melhor forma possível as capacidades inerentes de qualquer ser humano, ou seja, essa vida estaria ao alcance de qualquer um… Claro, com muito dinheiro e disciplina.

Após se safar do referido cerco, Batman decide que precisa de um aliado na policia e só consegue pensar numa pessoa, o incorruptível tenente Jim Gordon. Enquanto isso, o próprio Jim começa a mudar sua atitude a respeito do Batman, apesar de ainda o considerar um criminoso. Ele só admite que o prefeito e o comissário, seu chefe, parecem ser criminosos muito piores.

Contrastando com sua forte moral, a índole de Jim Gordon é questionada na série por meio de suas ações. Ele fuma, briga com a mulher grávida, expressa em seu “diário” sua infelicidade com a gravidez (fica preocupado em como criar uma criança num mundo corrupto) e ainda começa a ter um caso com a nova parceira, Sarah Essen. Neste sentido, há uma tentativa de diferenciação entre ele e Batman. Gordon, por mais correto que seja, é falho, o Batman/Bruce é diferenciado. Não basta se sacrificar sua vida ou ser incorruptível, para ser herói é preciso estar disposto a sacrificar o seu ser, sua individualidade, sua personalidade. É preciso entregar tudo o que se tem e ainda mais um pouco. Essa é a essência do Batman que vemos em Ano Um.

Continua….

Zé Messias

Jornalista não praticante, projeto de professor universitário, fraude e nerd em tempo integral cash advance online.

Este post tem 4 comentários

  1. JJota

    A parte do gato é muito interessante, principalmente quando lemos a reflexão do Gordon depois, em que ele questiona se está realmente do lado certo ao obedecer aos corruptos administradores de Gotham e tentar prender o Batman!

    Ele é um criminoso. Eu sou um policial. Mas estou numa cidade onde o prefeito e o comissário usam guardas como assassinos contratados. Batman salvou aquela velha. Ele salvou aquele gato. Até pagou o terno…

  2. O pão do céu

    Legal, cara. Ainda tenho muito a conhecer do Morcego…

  3. JJota

    Destaco a comparação entre Gordon, que é o homem bom, porém comum e, assim sendo, cheio de defeitos, e o Batman, cuja dedicação a sua própria causa reflete, comportamentalmente, a mesma que tem psicológica e fisicamente.

    1. Pois é. Acho que o ponto alto dessa análise é a comparação entre o Gordon e o Batman, mostrando como dois pontos de vista aparentemente díspares podem se encontrar.

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