ACORDE! Você está em uma simulação!

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Recentemente assisti a um vídeo que conta uma teoria onde o Agente Smith seria o verdadeiro escolhido em Matrix (1999). Conversando com um amigo, ele me disse que era óbvio, mas para mim, nada na trilogia foi óbvio, nunca. Lembro-me de ter ido à estreia e em seguida, sentar e um restaurante e ficar umas duas horas tentando absorver e compreender todas aquelas informações. Matrix não foi inovador apenas pelos efeitos, mas por todas as concepções e teorias ali apresentadas. Certamente, é possível perceber uma nova referência cada vez que se assiste e eu já assisti algumas várias vezes e só hoje, enquanto pensava em escrever este texto, me dei conta de que a referência ao coelho 2146019-the_matrix_agent_smith_wallpaper_the_matrix_6100661_1024_768branco da Alice tem muito mais a ver com toda concepção de uma realidade alternativa que com uma mera referência literária. Não sei se é o tipo de informação de senso comum, mas Lewis Carrol (Alice no País das Maravilhas) era matemático, contemporâneo e amigo de Tolkien. Uma das teorias a respeito de seu livro mais famoso (além das mais conhecidas sobre seu suposto “amor” pela filha de 10 anos de um colega) é de que na verdade Alice no país das Maravilhas seria uma representação de uma enorme equação matemática que provaria que a realidade não é exatamente como a enxergamos.

O que me veio à mente, quando soube da teoria do agente Smith, foi fazer uma maratona de filmes que conversam entre si, por isso, vou deixar umas dicas de outros dois filmes que foram lançados quase que simultaneamente ao Matrix, mas que não possuem grandes atores em seu elenco e não se tornaram blockbusters, mas certamente valem a pipoca! A maratona desses títulos também propicia uma ótima reflexão sobre questões filosóficas abordadas em todos eles, tendo Matrix como a película que reuniu a maior quantidade de referências da cultura pop e literárias.

Cidade das sombras (Dark City, 1998 – Há outro filme de 2008 com mesmo título no Brasil. Não é esse!), com Kiefer Sutherland, narra a história de uma população subterrânea que teria o poder de alterar nossa realidade e assim o fazem diariamente, ajustando os acontecimentos e a nossa percepção de acordo com o que lhes convém. É um filme denso também, para se prestar atenção, mas traz alguns dos questionamentos sobre nossa noção da realidade e como ela pode ser subjetiva.
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O 13º andar (The Thirteenth Floor, 1999), filme lançado no mesmo ano que Matrix e que narra a história de dois pesquisadores de informática cujo projeto é desenvolver uma simulação utilizando realidade virtual. No entanto, à medida que o filme se desenrola, não sabemos mais quem de fato está vivendo uma simulação ou se haveria uma realidade fora do ambiente virtual. Um thriller com muito suspense do começo ao fim.
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E a questão que alguns fazem é: “Teria Matrix se inspirado em Cidade das sombras”? A verdade é que no final dos anos 90 muitas produções beberam da mesma fonte, resultando em outros filmes e livros que giram em torno de temas como a simulação da realidade. Isso porque além do tão esperado “bug do milênio”, internet e assuntos correlatos – como realidade virtual, robótica… – eram temas muito presentes, por isso, produtores e diretores recorreram a Platão e Baudrillard para tentar entender o contexto em que estavam inseridos. Outros filmes como O Show de Truman e A Origem (Inception), dialogam com essas mesmas questões.

A famosa Alegoria da Caverna usada por Platão em seu livro A República serviu de referência para diversas obras e interpretações desde que foi contada pela primeira vez. O filósofo grego demonstra que em situações específicas, o ser humano tomaria como verdade algo que não é real, de acordo com a perspectiva de onde observa. Tal concepção é a única a que tem acesso, portanto, não seria a realidade um conceito relativo?

Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçada e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?

Para Platão, a realidade é uma representação do mundo das ideias, ou seja, o que vemos e experimentamos é uma simulação da verdade que só seria conhecida por Deus, mas sendo o homem sua imagem e semelhança, a realidade nada seria além de uma cópia perfeita, uma reprodução fiel da ideia original.

Esses filmes propõem que a realidade que experimentamos só existe a partir dos meios de comunicação de massa e que na verdade qualquer referência do real é apenas um eco, um conjunto de fluidos que chega a nós através da TV ou do computador. Não se pode mais falar em realidade, uma vez que ela já não é mais referência. O que acreditamos ser real é uma reprodução malfeita e infinitamente mais atraente do que o que realmente existe, é um simulacro. (BAUDRILLARD, 1981) “O simulacro nunca oculta a verdade. É a verdade que oculta que não existe. O simulacro é verdadeiro.” (Eclesiastes).

O ponto em comum entre os filmes é o fato de seus protagonistas conseguirem despertar em algum momento para escolher entre o simulacro fantasioso ou a realidade que é apresentada de forma insossa. Truman (Show de Truman) vive em um reality show e tem sua vida acompanhada diariamente por milhões de espectadores no mundo todo; Neo (Matrix) vive em um receptáculo, ligado por fios, sonhando estar vivendo, quando na verdade, seus fluídos vitais servem de energia para os robôs que dominaram o mundo; Thomas Hall (13º andar) descobre que a simulação que havia criado não passa de um simulacro já que sua vida também não passa de um programa de computador. Em todos os casos, a fantasia, o simulacro nos é apresentado de forma mais atraente que a realidade dura e cheia de conflitos, ao contrário da alegoria de Platão, onde os prisioneiros acreditam que as sombras são reais e na verdade, o mundo exterior ofereceria mais atrativos que a caverna. O que Truman preferiria? Qual é a escolha de Neo? E Tomas Hall? Seria capaz de destruir o software que lhe comanda, mesmo correndo o risco de deixar de existir? Que pílula tomar: a azul ou a vermelha? No real, como no cinema, houve uma história mas já não há. A história que nos é entregue hoje em dia (justamente porque nos foi tomada) não tem mais relação com o real histórico que a neofiguração em com a figuração clássica do real. A neofiguração é uma invocação da semelhança, mas ao mesmo tempo a prova flagrante do desaparecimento dos objetos na sua própria representação: hiper-real. Os objetos têm aí, de alguma maneira, o brilho da hipersemelhança (como a história do cinema atual) que faz com que no fundo não se assemelhem em nada senão à figura vazia da semelhança, à forma vazia da representação. (BAUDRILLARD, 1981).

Sendo a realidade relativa, sua percepção é diferente para cada um e, portanto, como determinar o que é real? O psicanalista brasileiro Fábio Herrmann, criador da Teoria dos Campos, defende que entre a realidade e nossa percepção há vários campos cuja relevância depende da história e experiência pessoal:

Não é possível experimentar o real em sua totalidade, mas é possível experimentar a sensação da realidade através de campos que correspondem à esfera da moralidade, esfera social, esfera familiar, esfera profissional. Quanto mais definidos os campos, maior a sensação de proximidade da realidade.

Querendo se aprofundar em teorias que parecem conspiracionistas ou apenas para se divertir, a maratona desses filmes vai no mínimo propiciar muita coisa para se pensar e deixar as minhocas na sua cabeça muito animadas. Lembrei também de mais alguns, mas deixo para um próximo post!

Deixo aqui alguns links dos trailers e referências que usei. Quanto a Platão e Baudrillard, eu já havia pesquisado anteriormente para um artigo acadêmico sobre a HQ Cidade de Vidro, de Paul Karasik e David Mazzucchelli, adaptada da obra de Paul Auster.

 Teoria sobre o agente Smith:
http://io9.gizmodo.com/the-matrix-fan-theory-that-makes-agent-smith-the-true-o-1766821038?utm_campaign=socialflow_io9_facebook&utm_source=io9_facebook&utm_medium=socialflow

Artigo sobre algumas referências em Matrix
http://oguari.blogspot.com.br/2014/02/siga-o-coelho-branco-da-filosofia.html

Sobre Alice:

https://www.newscientist.com/article/mg20427391.600-alices-adventures-in-algebra-wonderland-solved?full=true

http://omelete.uol.com.br/filmes/artigo/a-historia-por-tras-de-alice-no-pais-das-maravilhas/
Piteco e o mito da caverna

https://livrepensamento.com/2014/02/11/o-mito-da-caverna-de-platao-em-quadrinhos/

Trailers
https://www.youtube.com/watch?v=GYWoYDL-CSw

https://www.youtube.com/watch?v=0-t3hIGW4jY

Cidade das sombras analisado
https://www.youtube.com/watch?v=Q3JAzBTUGpE

Teoria dos campos (psicanálise)

http://pepsic.bvsalud.org/pdf/jp/v40n73/v40n73a04.pdf

 

 

Dani Marino

Dani Marino é pesquisadora de Quadrinhos, integrante do Observatório de Quadrinhos da ECA/USP e da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial - ASPAS. Formada em Letras, com habilitação Português/Inglês, atualmente cursa o Mestrado em Comunicação na Escola de Artes e Comunicação da USP. Também colabora com outros sites de cultura pop e quadrinhos como o Minas Nerds, Quadro-a-Quadro, entre outros.

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