A Guerra no Jogo e o Jogo na Guerra

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Durante o planejamento desta semana especial sobre os 100 anos do início da Primeira Guerra Mundial, questionei-me sobre o que poderia escrever. Comecei a pensar sobre jogos que abordam esta temática e cheguei a seguinte indagação: qual a relação entre a guerra e o jogo?

Mais do que abordar apenas a 1ª Guerra Mundial, os desenvolvedores de jogos eletrônicos possuem fascínio pela guerra em geral. Apesar da maior parte dos jogos preferirem a Segunda Guerra, há diversos títulos sobre o período de 1914 a 1918, como Microsoft Flight Simulator – World War 1 combat mission mode (PC, 1989), Wings (Game Boy Advance, 1990), History Line: 1914-1918 (PC, 1992), Evasive Action (PC, 1993), The Last Express (PC, 1997), Red Baron II (PC, 1997), Hogs of War (PS, PC, 2000), 1914: The Great War (PC, 2002), WWI: The Great War (PC, 2003), WWI Medic (PC, 2004), The Operational Art of War III (PC, 2006), Covert Front: Episode One – All Quiet on Covert Front (PC, 2007), Rise of Flight: The First Great Air War (PC, 2009), NecroVisioN (XBOX 360, 2009), Toy Soldiers (XBOX 360, 2010), Darkest hour (PC, 2011), Commander: The Great War (PC, 2012), Sid Meier’s Ace Patrol (PC, 2013), Verdun (PC, 2013), Valiant Hearts (PC, PS3, PS4, XBOX One, 2014)…

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De fato, uma parte considerável dos jogos lançados aborda, de alguma maneira, a guerra, seja entre países ou reinos, planetas, gangues, famílias etc. Para entender a questão da relação entre jogo e guerra, apelei para um dos autores mais usados nos estudos sobre jogos: Johan Huizinga. Huizinga era um historiador holandês nascido em 1872. Quando os alemães invadiram a Holanda, foi preso e levado para um campo de concentração.  Em 1º de fevereiro de 1945, morreu, na pequena cidade holandesa de De Steeg, confinado pelo exército nazista.

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Para ele, diversos aspectos da cultura medieval eram, em sua essência, formas de jogo. Em 1938, com a publicação de Homo Ludens, Huizinga abordou o problema diretamente: até que ponto a cultura humana é resultado do jogo e em que medida ela se expressar nas formas de jogo? Não vamos abordar todo o livro aqui, entretanto, é importante citar apenas esta posição inicial do autor em relação ao jogo e a cultura. O homem primitivo acreditava que toda cerimônia bem celebrada ou todo jogo ganho de acordo com as regras está ligado à aquisição pelo grupo de uma nova prosperidade. A cultura surge sob a forma de jogo. Mesmo atividades que visam satisfações imediatas vitais, como a caça, tendem a assumir, nas sociedades primitivas, uma forma lúdica.

“Em suas fases primitivas a cultura é um jogo. Não quer isto dizer que ela nasça do jogo. Ela surge no jogo, e enquanto jogo, para nunca mais perder esse caráter.”

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O elemento lúdico sempre esteve presente. A regra geral é que o jogo fique em segundo plano, oculto por detrás dos fenômenos culturais, mas passível de retornar a qualquer momento – uma atividade pode ser originada no jogo e ir perdendo sua forma lúdica original; entretanto isso não retira o lúdico de sua constituição. Ao longo de sua obra, o jogo é relacionado com os rituais religiosos; festas; guerra; política; justiça; arte; filosofia; conhecimento e poesia.

“O ritual teve origem no jogo sagrado, a poesia nasceu do jogo e dele se nutriu, a música e a dança eram puro jogo. O saber e a filosofia encontraram expressão em palavras e formas derivadas das competições religiosas. As regras da guerra e as convenções da vida aristocrática eram baseadas em modelos lúdicos.”

Huizinga inclui, no conceito de jogo, a competição (além da brincadeira e do passatempo), originalmente fora de acordo com os gregos antigos (a importância e seriedade da competição eram tão grandes que possuía um conceito próprio). Para ele, a competição, que engloba desde os jogos mais triviais até os torneios mais primitivos, possui todas as características formais do jogo – atividade consciente exterior à vida habitual que visa à vitória e/ou status social/religioso, prazerosa, praticada dentro de certos limites de tempo e espaço e segundo regras.

“O jogo é um combate e o combate é um jogo.”

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É perfeitamente aceitável que consideremos a Guerra como um combate. Logo, a guerra é uma espécie de jogo, tanto quanto uma simples luta. A guerra é um subproduto do agon. O impulso agonístico (competitivo) não se perde, pois é inato. O desejo inato de ser o primeiro continuará levando os grupos de poder a entrar em competição. Dá-se início à guerra a fim de obter uma decisão de valor sagrado, pela prova da vitória ou da derrota. Para Huizinga, a competição está ligada à vitória, honra, virtude, nobreza ou glória. Na maioria dos casos, os verdadeiros motivos das guerras podem ser encontrados menos nas necessidades de expansão econômica, do que no orgulho e no desejo de glória, de prestígio e de todas as pompas da superioridade.

“As tendências modernas para exaltar a guerra, que tão lamentavelmente nos são familiares, levam-nos de volta à concepção babilônica e assíria da guerra como ditame divino para exterminar povos estrangeiros, para maior glória de Deus.”

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Voltemos, então, à questão inicialmente proposta, sobre a relação da guerra com os jogos. A guerra está intimamente ligada à linguagem lúdica; esta, por sua vez, é intrínseca a própria cultura. Logo, o jogo é um excelente formato para representar algo que está na essência do ser humano. A guerra como competição envolve regras, objetivos, imersão (em outra realidade), domínio e superação de habilidades e, acima de tudo, a possibilidade de ser vitorioso – tudo isto presente na essência do jogo, eletrônico ou não. Enquanto produto de entretenimento, não importa qual guerra será escolhida como pano de fundo do jogo – importante é responder à demanda por conflitos natural ao homem. Talvez, a escolha desta temática não seja o movimento inicial, mas um reflexo natural à mecânica do jogo, algo que encaixa perfeitamente em sua estrutura essencial.

A frase que diminui a vitória, pois afirma que “o importante é competir” está errada. Competir pressupõe o objetivo de vencer. Assim, eu colocaria da seguinte forma:

“Perder não é problema desde que se queira ganhar, pois o importante é jogar”

Gustavo Audi

Se fosse uma entrevista de emprego, diria: inteligente, esforçado e cujo maior defeito é cobrar demais de si mesmo... Como não é, digo apenas que sou apaixonado por jogos, histórias e cultura nerd.

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