A Estrada 47

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Fala galera iluminada! Após três meses de criogenia, venho falar sobre o brasileiríssimo A Estrada 47!

Para aqueles que não fazem a mínima ideia sobre o que estou falando, eis a sinopse do filme:

Na Segunda Guerra Mundial, o Brasil era aliado dos Estados Unidos, Inglaterra e França. Na época, foram encaminhados mais de 25 mil soldados da FEB (Força Expedicionária Brasileira) para combater os inimigos, representados pelo Eixo: Alemanha, Itália e Japão. Quase todos de origem pobre e, em sua maioria, despreparados para o combate, os pracinhas tiveram que aprender na prática a lutar pela sobrevivência. Depois de sofrerem um ataque de pânico coletivo, no sopé do Monte Castelo, os soldados Guimarães (Daniel de Oliveira), Tenente (Julio Andrade), Piauí (Francisco Gaspar) e Laurindo (Thogum Teixeira) tentam descer a montanha, mas acabam se perdendo uns do outros. Quando conseguem se reencontrar, precisam decidir se retornam para o batalhão e correm o risco de enfrentar a Corte Marcial por abandono de posto, ou voltam para a posição da noite anterior e se arriscam a enfrentar um ataque surpresa do inimigo. É quando conhecem o jornalista Rui (Ivo Canelas), que conta sobre um campo minado ativo e eles acham ser essa a chance de se redimirem da mancada que cometeram, mas muita coisa ainda está por acontecer e a guerra está longe de acabar.

Dirigido pelo exímio Vicente Ferraz, a obra é estrelada por Thogun Teixeira (Filhos do Carnaval), Daniel de Oliveira (Cazuza) e Francisco Gaspar (Aos Ventos que Virão), sendo um dos primeiros filmes brasileiros a retratar com respeito o ingresso de nossos conterrâneos, através da Força Expedicionária Brasileira (FEB), no contexto da Segunda Guerra Mundial.

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Embora o filme seja impecável na parte técnica – em especial a fotografia, cenário, caracterização e efeitos especiais – estando superior a qualquer filme brasileiro que apontou pelo cinema nos últimos quatro anos, pode-se levantar críticas em relação ao seu posicionamento histórico. Como podemos ver no início do filme, diz-se que a participação brasileira foi condicionada ao bombardeio de cargueiros brasileiros por submarinos alemães. Todavia, uma versão bem mais interessante revela que, de fato, foi devido à neutralidade brasileira e aos flertes de Getúlio Vargas com políticas fascistas, deste modo, o EUA se empenharam em convencer o governo brasileiro a tomar parte do combate; caso contrário teria o Nordeste invadido, dada sua posição geográfica. No entanto, embora não tenha entrado no mérito, o filme retrata (e muito bem) o despreparo da FEB, assim como a maneira cruel e vexatória através da qual simples cidadãos comuns foram jogados à morte: seja por necessidades diplomáticas, miséria ou até mesmo influência de famílias que se diziam comprometidas com a defesa de seu país.

Fico feliz em dizer que há filmes brasileiros, em destaque, que não se resumem meramente a piadas sem graça da Globo Filmes, novelas encurtadas, biografias mal contadas ou ações policiais com jargões sem sentido. Na verdade, vejo A Estrada 47 como uma homenagem tardia aos milhares de rapazes que deixaram sua juventude e vidas e que, mesmo assim, foram tratados de maneira jocosa e humilhados em programas nacionais, como se a sua participação na guerra fosse engraçada ou sem perigo algum. Não os considero heróis, mas vítimas de um Estado covarde que desde a década de 40 prefere mandar seus filhos à morte que encarar a verdade do problema. Um cenário muito parecido com o que vemos hoje nas periferias e dentro das próprias instituições militares, já que boa parte de seu contingente não possui preparo adequado e infraestrutura digna para a prestação de um bom serviço, muitas vezes, tratado como um desserviço a população brasileira, em especial, a carente.

Embora alguns críticos infelizes gostem de comparar o filme a “Essa falta de know-how acaba resultando em filmes medíocres, como Assalto ao Banco Central e Segurança Nacional” ou frisem a questão dos soldados brasileiros “mais parecendo um idiota desprovido de qualquer capacidade de compreender o universo em que está inserido. E isso, mais uma vez, distancia o público e faz com que a obra se torne cansativa”, gostaria de atentar a essas pessoas desprovidas de conhecimento histórico que, os soldados brasileiros, em sua maioria, eram sim pessoas ignorantes que não faziam a mínima ideia do que estava acontecendo, sendo usadas como mero instrumento de politicagem, algo bem comum na era Getúlio.

Um dos pontos de destaque do enredo reside na relação, embora inicialmente hierárquica, entre os personagens Piauí (Francisco Gaspar), Laurindo (Thogun Teixeira) e Coronel Mayer (Richard Sammel) que graças ao talento dos envolvidos, em poucos minutos, atravessa a fúria de um combate para abrir espaço à comicidade e a um drama de marejar os olhos.

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Em suma, A Estrada 47 explora os bastidores dos combatentes brasileiros e sua busca incessante por necessidades básicas como alimentos, segurança e sanidade. Deste modo, gostaria de ratificar que a premissa “tiro, porrada e bomba” em momento algum é o centro da narrativa, ficando relegado em segundo plano, muito embora as cenas de combate tenham sido tratadas  com extrema maestria, sendo superiores, inclusive, ao Tropa de Elite. Por fim, após a leitura de todos os diários de guerra disponibilizados pela FEB posso dizer, com certeza absoluta, que o trabalho de todo o elenco foi fidedigno ao que foi retratado, dando o devido destaque ao sofrimento  dos 25.334 homens enviados à Segunda Guerra Mundial, dos quais  2.500 perderam suas vidas e mais de 12.000 sofreram baixas em campanha por mutilação ou outras diversas causas incapacitantes.

Embora não faça parte do enredo,  esse pequeno relato vale como destaque:

“Durante a tomada de Montese houve uma homenagem singular prestada a três soldados brasileiros que, em missão de patrulha, ao se depararem com toda uma companhia do exército alemão, tendo recebido ordem para se renderem, se recusaram e morreram lutando. Como reconhecimento à bravura e à coragem daqueles soldados, pela forma como combateram, os alemães os teriam enterrado em covas rasas e, junto às sepulturas colocado uma cruz com a inscrição “drei brasilianischen helden” (três heróis brasileiros). Eram eles – Arlindo Lúcio da Silva, Geraldo Baeta da Cruz e Geraldo Rodrigues de Souza -, existe hoje no pátio de formatura do batalhão a qual pertenciam um monumento que os reverencia.”

Para os interessados, segue o trailer:

 

Don Vitto

Escritor, acadêmico e mafioso nas horas vagas... Nascido no Rio de Janeiro, desde novo tivera contato com a realidade das grandes metrópoles brasileiras, e pelo mesmo motivo, embrenhado no submundo carioca dedica boa parte de seu tempo a explanar tudo que acontece por debaixo dos panos.

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