O ser humano tem a petulância de acreditar que o seu tempo é repleto de inovações, criações inéditas e coisas que nunca antes aconteceram na história. A internet está aí para provar, por exemplo. Ela criou diversas situações originais, permitiu comportamentos únicos, estimulou tendências novas e por aí vai. Daí, eu pergunto: a cultura digital é assim tão inovadora? Nossas práticas online de hoje realmente são únicas?
É muito cômodo acreditar que o atual é sempre diferente e, por que não, melhor que o antigo. Há um pensamento simplista que considera a digitalização e a internet como ferramentas recheadas de recursos exclusivos. Contudo, basta uma simples pesquisa para perceber que não somos assim tão destacados.
Em essência, boa parte do que fazemos hoje é apenas derivação do que já acontecia no passado. Obviamente, isso não quer dizer cópia perfeita, mas sim, uma versão atualizada e, muitas vezes, potencializada pelas idiossincrasias das ferramentas digitais.
Pensando nisto, fiz um pequeno exercício de comparação entre algumas “modas” de internet e atividades antigas.
Nude
Se você acha que enviar fotos de partes desnudas de seu corpo é uma prática contemporânea, reveja seus paradigmas. Já no século XIX, D. Pedro I enviava desenhos de seu pênis ejaculando para a amante, Domitila de Castro, a marquesa de Santos. Não podemos negar o realismo fotográfico que a prática atual permite, mas a ideia é velha…
Selfie
Divulgar a própria imagem para os outros não surgiu com aquela adolescente de língua para fora e fazendo o número dois com a mão na horizontal. Há séculos, representar a sim mesmo é uma forma de expressão artística (e não estou afirmando que selfie é arte). Depois da criação de espelhos no século XV, o gênero de autorretratos se fortaleceu bastante, como podemos ver no autorretrato de Albrecht Dürer, de 1500.
Meme
Cunhado por Richard Dawkins na década de 1970, o meme se refere a unidades de pensamento que se espalham pelas mentes das pessoas por meio de alguma linguagem. O meme da internet é diferente do original, mas mantém a característica de difusão de conceitos mediante ferramentas online (email, redes sociais, blogs etc.).
Difusão de conceitos… Unidades de representação… Não parece algo novo. E não é.
Do fim século XVI ao XVIII, um tema bastante utilizado nas artes plásticas foi a Vanitas. O termo significa vaidade e veio de um versículo do Antigo Testamento: “Vaidade de vaidades, diz o pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade” (ECLESIASTES, 1:2). Após a burguesia holandesa acumular bastante riqueza, malandramente, a Igreja passou a difundir a mensagem bíblica com o objetivo de desvalorizar os bens materiais. O conceito passou a fazer parte da iconografia de diversas pinturas da época, principalmente de natureza-morta. Uma forma de representar o desejo provocado pelos objetos de luxo era por meio de crânios humanos. A ideia era ilustrar o quanto a vida é efêmera e que não devemos perder tempo com prazeres mundanos. Podemos ver estes crânios repetidos nas obras de diversos artistas, como Philippe de Champaigne (1671) e Edwaert Collier (1693).
Gameplays no Youtube
Tutoriais de Minecraft… Que ideia genial explicar audiovisualmente o passo a passo de como fazer as coisas no jogo! Legal, mas não nova. Já temos tutoriais há muito tempo, desde walkthroughs em revistas especializadas até vídeos explicativos.
Na década de 1990, com a crise nos arcades, diversas tentativas foram feitas para atrair os jogadores e mantê-los jogando. Uma delas foi a criação de um subgênero do shoot’em up chamado bullet hell shooter. Com muitos inimigos e balas voando pela tela, era preciso memorizar o padrão dos tiros para passar pelos desafios. Ter a habilidade de vencer estes jogos era motivo de orgulho. Este gênero se tornou tão popular no Japão que fitas em VHS demonstrando como completar estes jogos eram campeãs de venda.
O vídeo abaixo não é o tutorial do Batsugun, de 1993, pois não achei nenhum VHS, mas é um vídeo de 1990 com o walkthrough do Mega Man, produzido por um nerd de 12 anos.
É preciso tomar cuidado quando afirmamos que algo é novo, inédito e que nunca aconteceu na história. Da mesma forma que copiamos conteúdo – por meio das intermináveis remasterizações, adaptações, atualizações, versões etc. – também repetimos práticas. Contudo, há lado promissor também: podemos olhar para o passado e aprender com ele e, assim, não cometer as mesmas imbecilidades que nossos “antepassados primitivos” cometeram.
Tipo: xingar no Twitter…