A Copa e a Constatação de Ser Estrangeiro

Você está visualizando atualmente A Copa e a Constatação de Ser Estrangeiro

Assisti a alguns vídeos promocionais da Copa 2014 e reportagens na TV: samba, futebol, praia, funk, bebida, mulheres seminuas dançando, favelas, florestas e por aí vai. Estão presentes todos os estereótipos brasileiros.

Pergunto-me: o Brasil é isto?

625_315_1396281438homer_apito_brasil_perde_copa

Passei muito tempo acreditando que não. Criticava toda e qualquer tentativa de reduzir o país a estes moldes. Afinal, nós temos outras belezas, naturais e culturais. Temos arte, museus, pavimentação, rock, cinema, basquete, vôlei, arquitetura… Por que, então, a TV aberta insiste em mostrar o povo da mesma maneira? Por que a imprensa internacional continua nos vendo desta forma? Por que nossos representantes políticos sempre focam na mesma configuração sociocultural?

Porque isto é o Brasil. Não adianta tentar ver de forma diferente. Ampla maioria da população gosta e valoriza tudo o que é mostrado nestes vídeos. Ela não está errada, o Brasil não está errado. Eu estou errado por querer algo diferente. Infelizmente, para mim, este é o Brasil, um país no qual discordo de quase tudo. Suas prioridades não são as minhas.

Esta Copa serviu para me mostrar que o Brasil que quero não é o Brasil que existe. Eu estava errado em querer mudar isso. Este é o Brasil: do jeitinho, do cascalho, da improvisação, da ignorância, do samba, da exploração, da pobreza valorizada, das novelas, da programação televisiva horizontal, do filé aperitivo, do torresminho, dos impostos, da elite destacada, dos direitos exclusivos, da desigualdade de renda e direitos, do cada um por si, dos discursos políticos vazios… Mas também da sensualidade, da alegria, da festa, do clima gostoso, das montanhas, do sol, da efemeridade dos problemas…

Por tudo isso, esta, de fato, é a Copa das Copas. Para os brasileiros, com seu orgulho vazio e complexo de inferioridade, a melhor e maior Copa só poderia ser feita aqui, mesmo através de corrupção, falta de planejamento e desconsideração de problemas sociais reais. E, para estrangeiros, nenhum outro país dá tanta liberdade de comportamento quanto o Brasil; aqui, tudo é permitido: sexo, festas, bebedeira, roubos, lixo – e tudo nas vias públicas. Este é o país “para inglês ver”.

brasil-14801

Em suma, não há nada de errado em gostar deste Brasil. Mas também não há nada de errado em desprezá-lo. Por isso, abro mão da minha cidadania brasileira e dou a vaga para um inglês branquelo que queira vir ao país encher a cara de cerveja e roçar nas mulatas seminuas em um dia de praia ao som de pagode enquanto passa o Esquenta na televisão.

Acho que ele gostará mais deste Brasil que eu…

Gustavo Audi

Se fosse uma entrevista de emprego, diria: inteligente, esforçado e cujo maior defeito é cobrar demais de si mesmo... Como não é, digo apenas que sou apaixonado por jogos, histórias e cultura nerd.

Este post tem 10 comentários

    1. Gustavo Audi

      Em breve tirarei a cidadania italiana da minha filha e minha. Depois disso… Europa, aí vou eu!

      1. Boa viagem e boa sorte! Parece que todos aqueles de pensamento mais crítico que, por um motivo ou outro, saem do país, acabam desenvolvendo um olhar mais crítico, distante e interessante do seu próprio país natal. Tomara que isso aconteça a você, e boa sorte!

        1. Gustavo Audi

          Calma, calma! Ainda não é certo.
          A vontade existe, mas ainda há muitas variáveis a se considerar: família, amigos, trabalho etc.

          1. Messias

            já foi? Pode ir haha
            Adieu, mon cher

          2. Gustavo Audi

            Falou o cara que abandonará o Brasil por Massachusetts…

          3. JJota

            E hoje tá assim de brasileiro querendo ir pra Alemanha…

  1. JJota

    Uma coisa que seu texto me lembrou é como o brasileiro é engraçado: se ele for estereotipado por um estrangeiro, ele se revolta; mas se for pelos seus próprios compatriotas, ele acha graça.

    É lamentável que, mesmo com todos os problemas apresentados e antes mesmo do término da competição, já se tenha começado a adotar o discurso triunfalista, em que nossos “administradores” já começaram a se pavonear e “cobrar” dos “profetas do apocalipse”, como se tudo corresse às mil maravilhas.

    1. Gustavo Audi

      Eu acho extremamente infantil essa criação das hashtags “positivas”, como o “vaitercopa”, “tátendomuitacopa”, “copadascopas” etc. A galera esquece que pela propaganda e grana gasta, a Copa dar certo não é mais do que obrigação! Ninguém tem que se desculpar por criticar esta palhaçada agora que ela parece funcionar.

      1. JJota

        Observação perfeita: pelos altos investimentos feitos, esse evento deveria realmente ter sido perfeito (e olha que foi beeeeeeeeeem longe disso, mas como a Globo não quer divulgar as falhas, vai ficar por isso mesmo).

        Aliás, isso parece coisa de Máfia, meldels… “Olha, vamos fazer um pacto com o governo e passar trinta dias sem falar de problemas, ok?”

Deixe um comentário