A Boa e a Má Burocracia.

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Quando se menciona o termo “burocracia”, muitas vezes vem à cabeça, à reboque, palavras desagradáveis como “demora”, “descompromisso”, “papel demais”, “excesso de formalidades”, etc. Mas o que é a Burocracia?

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Antes de culpar algo ou alguém, você deve saber o que está culpando. A coisa mais fácil e frequente que vemos nos dias de hoje é o julgamento rápido, inconsequente e sem razão acerca de coisas que são, na verdade, desconhecidas ou mal reconhecidas. O que é a burocracia? Burocracia na verdade foi um termo do qual Max Weber, um sociólogo, se apropriou para tentar estabelecer uma situação ótima e eficaz nas organizações. Segundo Weber, a burocracia é uma estrutura organizacional formal, com objetivos e hierarquia definidos. Nesse sentido, a tendência é se formalizar e padronizar processos. Como as organizações da Administração Pública são essencialmente regidas pela lei, o sistema burocrático cai como uma luva. Por um lado, a lei representa uma orientação genérica, que tenta regular relações sociais a partir de uma situação de equilíbrio, sendo aplicada e adaptada às situações de desequilíbrio prático. Por outro lado, como burocracia é basicamente estabelecida sob a fundação da hierarquia, fica bastante prático aliar as relações impositivas relacionadas à lei às possibilidades hierárquicas de determinadas organizações.

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Além do princípio da hierarquia, a burocracia é um sistema que premia a competência técnica e a impessoalidade. Por isso, a existência de concursos públicos, que admitem novos servidores através de avaliação de conhecimentos específicos a serem cobrados, independente da identidade do avaliado, numa tentativa de otimizar o trabalho e valorizar o mérito, acima do QI (Quem Indica). Consequentemente, o funcionário recebe um salário regular, de acordo com as funções para as quais foi contratado e seu tempo de serviço, e em uma carreira regular. Para Weber, a burocracia tende a tornar a organização eficiente e eficaz, pois todos são levados a seguir as normas de maneira homogênea, a decidir da mesma forma em situações similares, economizando tempo. O mesmo tempo é economizado na medida em que a atividade dos colaboradores é harmonizada num denominador comum, otimizando o serviço, sem levar em conta detalhes pessoais.

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Porém, tanto no Brasil quanto em diversos outros países, a burocracia passa a ser sinônimo de suas disfunções, seus problemas. Como os já ditos anteriormente, também se inclui o excesso de formalismo e apego aos regulamentos (decorrente da tendência de supercontrole das ações baseado em normativos); a despersonalização e dificuldade de relacionamento com o público/clientes (decorrentes da impessoalidade imposta pelo sistema burocrático); dentre outros. É claro que todo sistema tem falhas e problemas. Mas por que eles ficaram mais identificados ao conceito de burocracia do que seus méritos?

Para analisar os vícios de algum sistema, é necessário avaliar o contexto onde esses vícios se formam. No contexto de um país como o Brasil que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), a cada dia útil publica nada menos que 46 normas tributárias, a burocracia deixa de ser um sistema de otimização para ser um gargalo de entraves jurídicos. O Direito Tributário é só um exemplo de como a Administração Pública brasileira deixa tudo mais difícil: na ânsia de regular toda e qualquer entrada e saída de capital, o Estado (União, Estados e Municípios) sufoca o empreendedorismo das empresas com uma complexa e extensa legislação, que aumenta o custo de empresas, que são obrigadas a destacar dezenas (às vezes centenas) de especialistas em tributos, para auxiliar no desembaraçamento de uma legislação confusa e, muitas vezes, contraditória.

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Para piorar as coisas, a cultura do brasileiro é a do permissivismo tácito: o “jeitinho brasileiro”. Sim, ele continua existindo entre nós, e, paradoxalmente, sua existência acirra ainda mais a burocracia, num círculo vicioso difícil de se quebrar. No meu trabalho, houve o caso de um servidor que foi forçado (isso mesmo, forçado) a omitir o desvio de certa medição técnica que seria totalmente tolerável. Foi instruído por seus superiores a não só “deixar passar” o desvio (aceitável, segundo disseram), como também a omitir o fato do desvio do laudo: colocar as informações corretas daria muita “dor de cabeça”, muito trabalho. Vivemos numa sociedade que tem uma tolerância aberratória ao desvio, ao mesmo tempo em que é regida por um excesso de normas.

A tied up group of young business people

Portanto, o “jeitinho brasileiro”, ou a flexibilidade de um povo ao que é normatizado, força os administradores a apertarem ainda mais os entraves burocráticos, criando outras normas que aparem as arestas. Os empregados, por outro lado, desviam-se dessas novas normas, dando um “jeitinho”, negociando. Desta forma, quanto mais se burocratiza, mais se leva à flexibilização das relações. No fim das contas, o que impera é o regime da desconfiança: regulamentos são feitos pensando em um possível infrator ideal, que será detido; o infrator real, por outro lado desvia-se desses regulamentos, criando novos paradigmas.

Portanto, precisamos diferenciar dois tipos de posicionamentos sobre a burocracia: a burocracia necessária, aquela que otimiza os processos e trabalhos e exalta o sistema de mérito, e a burocracia desnecessária, vinda da cultura da desconfiança de um povo permissivo com o que é contrário ao que é regulado. Ou seja, antes de criticar a burocracia, prestemos atenção em nós mesmos, enquanto povo.

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Aliás, falando em prestar atenção: na medida em que pessoas têm acesso cada vez mais fácil à informação, fica cada vez mais difícil olharem para si mesmas. Parece que é mais fácil olhar pra dentro de um celular do que de seus corações.

Colossus de Cyttorak

Detentor dos segredos da Mãe-Rússia, fã incondicional de jogos da antiga SNK (antes de virar esse arremedo, chamado SNK Playmore), e da Konami, Piotr Nikolaievitch Rasputin Campello parte em busca daquilo que nenhum membro da antiga URSS poderia ter - conhecimento do mundo ocidental. Nessa nova vida, que já conta com três décadas de aventuras, Colossus de Cyttorak já aprendeu uma coisa - não se deve misturar Sucrilhos com vodka, nunca!!!!

Este post tem 3 comentários

  1. O pão do céu

    Concordo, mas, de uma maneira simplista, é a velha questão da desgraça de uns virar ao prêmio de outros. Imagina só o tanto de empregos, mesmo aparentemente inúteis, que não são criados por isso. Às vezes imagino que esse sistema não tem solução. Gostaria de ouvir ideias.

  2. Jaime Furlan

    Valeu muito a pena ter lido sua matéria, pois me fez compreender claramente que encontrei o que procurava. Faço minhas pesquisas em varios sites sobre isso, porém aqui fui cativado. Gratidão!

  3. Fátima Guedes

    Que boa explicação tive aqui nessa matéria, obrigada. Muitas vezes busco aprender sobre esse assunto mais são poucos que conseguem passar com tanta clareza de detalhes e riqueza de conteúdo.

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